Tendo dois filhos, não é dificil nem pouco frequente dar comigo a pensar em crianças; pensa-se ainda mais quando todos os amigos, irmãs e cunhadas têm filhos da mesma idade.
Numa recente conversa com um amigo, realizei quão diferentes são as crianças de hoje, com um acesso ilimitado à informação, têm o privilégio de ter todos os instrumentos do saber e do conhecimento ali... à mão de semear.
Nos países ocidentais, as crianças e adolescentes têm (em termos teóricos) um nível de vida incomparavelmente melhor do que há uns anos atrás ! No entanto tornaram-se uns ditadores !
No período de vida relativo à infancia e pré-adolescência, longe da relativização da maturidade, é muito fácil ser profundamente maniqueísta.
Tudo parece ser certo ou errado; branco ou preto. Crescer envolve perceber que existe uma grande "variedade de cinzas entre o branco e o preto".Mas os pequenos ditadores não percebem isso, e o que é pior, tem uma concepção distorcida do mundo como um grande mercado onde as pratelereiras estão repletas de opções para si mesmos, imaginando-se o centro e o motivo da existência da humanidade, que parece - sempre - dever algo aos pequenos reis.
O resultado é profundamente assustador. Não tenho uma interpretação ingénua e romântica de um modelo antigo de família, e penso que - apesar de considerar o modelo familiar tradicional o mais equilibrado - não o considero como o único capaz de servir de base cabal para o desenvolvimento integral das crianças. No entanto, parece que os pais, tios, avós e demais familiares na ânsia de querer dar voz às criancinhas, como que "vingando-se de infancias reprimidas, vividas sob o jugo de adultos repressores" esforçam-se para oferecer uma nova forma de estabelecer relações. Acrescentando o facto de que, incapazes de cultivar relações afectivas capazes e sustentadas, os adultos tentam compensar essa lacuna através do verbo DAR.
Mas parece que o tiro saiu pela culatra. Habituados a receber sem fim, dotados de uma visão simplista de mundo dividido entre Bem vs Mal, imbuídos da concepção de que o mundo é feito para eles, as crianças tornam-se ditadores frios e crueis. Convencidos de uma ideia perversa de que foram ludibriados e de que os adultos estão sempre em débito e em falta para com eles, os jovens ditadores crêem que nada devem a ninguém: são sempre aqueles que recebem. O pequeno ditador não parece capaz de ver o que recebeu, porque está muito ocupado cultivando as suas exigências ininterruptas e egocêntricas.
Mas as crianças são - tão só - aquilo que nós (familias e sociedade) fazemos delas.
Todos sabemos que é mais fácil "deixar andar" do que educar, todos sabemos que é mais fácil deixar andar de chucha até aos 7 anos do que "aturar" birras que nos roubam horas preciosas de sono; é mais facil deixa-los adormecer no sofá a qualquer hora do que ter de convencê-los, noite após noite, de que deverão ir para a cama às 9h30; é mais fácil não nos chatearmos com o seu comportamento do que estar permanentemente a educá-los e a ensinar como as coisas funcionam em sociedade; pois é... é sempre mais fácil não fazer do que fazer !
Há umas semanas via, comovido, uma reportagem sobre crianças "institucionalizadas", daquelas que - já com mais de 10 anos - ninguém quer (ou pode) adoptar... e óbviamente observei que o que essas crianças mais queriam era amor, atenção e carinho ! Não vi nenhuma afirmar que queria calças XPTO ou playstations... Carinho e atenção!
Educar é isso mesmo, e as crianças não pediram para nascer, cabe-nos a nós educá-las, sem repressão mas dando-lhes limites; sem incutir medo, mas dando-lhes a noção de respeito; sem as subjugar, mas ensinando-lhes disciplina... tudo isto é amor e deverá ser feito com extremo carinho e dedicação, pois são estas as armas que terão no futuro !
Temo pela sociedade que virá, com esses pequenos déspotas egoístas.
Se não combatermos esse egocêntrismo perverso e dictatorial das crianças de hoje, no futuro, só nos restará limpar o traseiro desses jovens imperadores sem autonomia que - fruto da sua (falta de) educação - não serão mais do que um empecilho social... sem objectivos nem força de progresso ! Recuso-me a condenar os meus filhos a esse cenário !